Em tempos de polarização, classificar pessoas em “caixinhas” tornou-se uma prática comum, especialmente nas redes sociais. Essas plataformas utilizam algoritmos para agrupar preferências e características, oferecendo conteúdos que mantêm os usuários engajados e maximizam seus lucros. No entanto, essa categorização simplificada apaga nuances e ignora a diversidade dentro da comunidade negra.

O pertencimento e a identidade negra
Buscar pertencimento em grupos com interesses comuns — como preferências culturais, musicais ou experiências compartilhadas — é algo natural.
No entanto, quando esse pertencimento se baseia na cor da pele, ele reflete algo muito mais profundo: uma identidade forjada pela história, pelas lutas coletivas e pelas experiências de exclusão que marcam a trajetória da população negra no Brasil.
Essa construção identitária carrega séculos de resistência e a busca por igualdade, mesmo diante de apagamentos e violências estruturais. Ainda assim, essa identidade coletiva não significa uniformidade.
A diversidade dentro da população negra
No Brasil, aproximadamente 56% da população se autodeclara preta ou parda, totalizando cerca de 119 milhões de pessoas. Dentro desse grupo, há múltiplas realidades, visões políticas e contextos econômicos. Entretanto, muitas dessas pessoas compartilham experiências comuns de discriminação racial, fruto do racismo estrutural e do preconceito fenotípico presentes na sociedade.

A cobrança por uma postura única
Um exemplo dessa expectativa de homogeneidade ocorre quando figuras negras ganham visibilidade midiática por ações controversas. Episódios como a agressão de Will Smith a Chris Rock no Oscar ou as opiniões de Jojo Todynho, que por vezes geram reações polarizadas, ilustram essa dinâmica.
Há uma expectativa de que toda a comunidade negra se posicione — seja para defender, criticar ou justificar essas atitudes. Esse duplo padrão se torna evidente quando comparamos com a branquitude, que não é cobrada coletivamente por atos individuais. Essa exigência impõe um peso injusto às pessoas negras, ignorando sua pluralidade e autonomia.
O mito da democracia racial e a invisibilização
O mito da democracia racial, que nega a existência do racismo no Brasil, reforça essa invisibilização. Muitas vezes, espera-se que pessoas negras tenham uma postura única ou carreguem a responsabilidade de responder por qualquer ato de seus pares que fuja das expectativas sociais.

Essa cobrança ignora a individualidade e reduz a complexidade da experiência negra, reforçando estereótipos e apagando narrativas diversas.
A importância de reconhecer a pluralidade negra

Pessoas pretas, assim como qualquer outro ser humano, possuem histórias e vivências únicas. Embora existam pontos em comum que conectam trajetórias, cada indivíduo tem sua própria visão de mundo.
Reconhecer essa diversidade é essencial para evitar narrativas reducionistas e fortalecer a luta coletiva, enriquecendo-a com diferentes perspectivas. Como afirma Antônio da Costa Ciampa, a identidade é um processo dinâmico, moldado por relações sociais e pelo contexto histórico.
Ou seja, a identidade negra não é fixa, mas sim histórica, política e em constante transformação.
Pode parecer óbvio, mas em tempos de narrativas simplificadas, o óbvio precisa ser reafirmado.
Referências: